sábado, 5 de maio de 2007

Analise poética: Cantiga de Banheiro - Mauro Mota

Análise do poema “Cantiga de Banheiro” de Mauro Mota
Cantiga de BanheiroA moça vai tomar banho,banho domiciliar.A moça não se dispersana piscina nem no mar.A moça entra no banheiroe torce a chave e o ferrolhoda porta. (Há na fechaduraum olho que chama outro olho).A moça vai tomar banho.Deixa os chinelos no canto.Perdeu os itinerários.Solta os cabelos castanhos.Fica nua. Dela soltamos peitos agressivos debicos rubros insinuantes,de leite e amor para as bocasdos babies e dos amantes.A moça morena espiaDentro do espelho da piaA exclusivamente suaLiberta beleza nua.Comprime-se o espelho quandoa moça se distancia.Na solidão do banheiro,vê-se emparedada vivanas paredes de azulejoe nua fica debaixodo chuveiro de onde a águahumaniza-se e, acrobata,dá um pulo de cascatadoméstica, com a intençãode levar a moça longe,de fazer um filho plásticono ventre virgem lambidode esponja e de sabonete.Quando a branca toalha assépticaabriu-se na fúria ambiente,a água já roubara a moçacamuflada pela espuma,que ia embora pela ruanadando pela sarjetaa imagem da moça nua.Mauro Mota ___________________________________“Cantiga de Banheiro”, de Mauro Mota, demonstra, desde a estética, que se trata de um poema moderno, pela quebra com a tradição em não apresentar forma fixa; além disso, mostra a capacidade do poeta em fazer o hibridismo entre gêneros textuais (descrição e poesia) para poetizar temas tão corriqueiros (do dia a dia) como o banho de uma simples moça.Esteticamente, o poema, apesar de ter como predominância a métrica em redondilho maior – típica característica de poemas populares como também as cantigas (trovadorescas) foram – quebra com a tradição na distribuição dos versos por estrofe e nas rimas (predominância das emparelhadas). Ele possui quatro estrofes contendo doze, nove, catorze e sete versos cada.No tocante à temática, trata-se de um texto cujo ideal é descrever poeticamente o ato do banho de uma moça, com toda sua beleza e sensualidade (indícios de erotismo), conforme a 2ª estrofe “[...] Dela soltam / os peitos agressivos de/ bicos rubros insinuantes, [...]”. Essa descrição vai desde o ato de a moça (personagem central) despir-se, até a água descer pela sarjeta e, com ela, levar a espuma de sabão que antes estava na moça.Mauro Mota possui a capacidade de transformar um simples banho, característica básica do dia a dia, em poesia, uma vez que o popular e os simples acontecimentos do cotidiano (assuntos banais) são (também) temas constantes em sua poética.Para dar a forma de poema, ele utiliza-se de encavalgamentos ou enjambement, além de apropriar-se de figuras estilísticas como anáforas (repetição constante de “a moça” no início dos versos nas duas primeiras estrofes) e personificações “[...] Dela soltam / os peitos agressivos [...]”. Além do forte teor imagético que o texto possui como um todo, a imagem que o leitor pode promover da última estrofe reflete bem o poder poético do autor.Quanto aos indícios de descrição, percebe-se pela quantidade de predicados verbais existentes no texto, pois os verbos de ação permitem um maior movimento dentro do poema, facilitando o processo do banho (do início ao fim).Então, analisando a poética de Mauro Mota, percebe-se a capacidade que o poeta tem de retratar assuntos tão banais, como o banho de uma moça, sem perder a beleza que é a poesia, através de um vocabulário simples, métrica popular e recursos estilísticos que dão à descrição a poeticidade que o texto precisa.___________________________________Referência:MOTA, Mauro. Antologia em Verso e Prosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982.___________________________________Por, Veridiana Rocha
Veridiana Rocha
Publicado no Recanto das Letras em 13/03/2007

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