sábado, 5 de maio de 2007

contos - estrutura

A ESTRUTURA DO CONTO TRADICIONAL
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1 - Espaço ----------------------------------
O Espaço da ação deve ser limitado, no geral, uma rua, uma casa, uma sala, e, mesmo um quarto de dormir basta para que se organize o enredo. Um deslocamento maior, a uma outra casa, ou outro bairro, o que seria muito raro, de duas uma: ou a narrativa procura abandonar sua condição de conto, ou advém da necessidade imposta pelo conflito que lhe serve de base. Daí pode-se concluir que a ação gera o lugar. Para exemplificar, recorro, novamente, A Missa do Galo, tudo se passa na sala da frente daquela casa assobradada da Rua do Senado. Ali o drama começa e termina.
2 - Tempo-----------------------------------
O Tempo fica restrito a um pequeno lapso; horas e, quando muito, dias, visto não interessar ao conto o passado ou o futuro das personagens. Se o contista dilata esse tempo para semanas, meses, etc., parte dele ficará sem carga dramática; ou se trata de um tempo referido: “passaram-se semanas...”. Esse longo tempo referido aparece, assim, na forma de síntese dramática. Em a Missa do Galo não há antecedentes temporais; apenas sabemos a idade de ambos os protagonistas; quanto ao tempo, podemos imaginar que tudo ocorra mais ou menos entre as vinte e três horas e meia noite pela seguinte frase do protagonista: “Ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso”.
3 - Foco Narrativo-------------------------------------------------------
Já vimos que o conto é essencialmente objetivo e, por isso, costuma ser narrado na terceira pessoa em uma dessas situações: a) O escritor conta a história como observador. b) O escritor-observador, analítico ou onisciente (sabedor de tudo), conta história. Todavia, a primeira pessoa também pode ser empregada sendo: a) A personagem principal que conta a história. b) Uma personagem secundária conta a história da personagem central.
4 - Personagens---------------------------------------------------
Em decorrência das características de tempo e lugar, o conto só pode estabelecer-se com um reduzido número de personagens, normalmente duas ou três. Somente as que participam diretamente do conflito. Qualquer outros, irão desempenhar funções secundárias (de ambiente ou cenário social). Os personagens centrais não exibem complexidade de caráter e apenas oferecem uma pequena parte de seu caráter. Só não parece possível o conto com uma única personagem; em todo caso, se apenas uma aparece, outra figura deve estar atuando direta ou indiretamente, ou vir a atuar para que se estabeleça o conflito que gera a história. Serve de exemplo, "O Ladrão", de Graciliano Ramos, neste curioso conto, o protagonista penetra, na calada da noite, em uma casa, para roubá-la. Inexperiente e dominado pelo medo, perde-se pela casa e tarda para chegar ao quarto de dormir, onde estão guardadas as jóias que pretende roubar. Depois de muita indecisão e de um diálogo interior com sua ex-namorada de olhos verdes, chega a seu destino. Mas diante da bela jovem que dormia placidamente, fica desconcertado. Que fazer? As jóias? O amor? Decide beijá-la, mas o alarme foi dado, é preso. Vê-se que, a não ser sua ex-namorada, com quem fala na memória, o protagonista permanece sozinho, e nesse período de tempo não há um drama, um conflito. É quando a figura da moça lhe aparece que o drama surge e completa-se somente no momento em que decide beijá-la. Portanto, dois protagonistas. Dá-se o nome a esse truque narrativo de epílogo enigmático. 5 - O Diálogo------------------------------------------
A linguagem deve também ser objetiva e utilizar metáforas simples e de imediata compreensão para o leitor. Deve-se evitar uma quantidade excessiva de palavras e fluências, principalmente, para dizer coisas de pouca importância, ou de pouco conteúdo. O conto prefere a concisão na linguagem.
O conto deve ser, tanto quanto possível, dialogado. Como os conflitos, os dramas, residem nas falas das pessoas, nas palavras proferidas (ou mesmo pensadas e não no resto); sem diálogo não há discórdia, desavença ou mal-entendido, e sem isso não há conflito, não há ação. Mas é preciso lembrar o fato de que existem quatro tipos de diálogos:
a) O diálogo direto (ou discurso direto), quando o contista põe as personagens a falar diretamente. A fala, geralmente é representada por travessão ou aspas. No conto moderno, há casos, em que o escritor dispensa os sinais gráficos. Um apanhado mais completo sobre o discurso direto você encontrará em: http://www.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=405072
b) O diálogo indireto (ou discurso indireto) quando o contista resume a fala dos personagens em forma narrativa, isto é, sem destacá-la. Os contistas estreantes fogem do diálogo direto (e até mesmo do diálogo), e preferem o indireto, porque sentem dificuldade de trabalhar com o direto, o que é natural. Por outro lado, os mais experientes como Machado de Assis, chegam ao requinte de escrever contos inteiramente dialogados.
c) O diálogo indireto livre (ou discurso indireto livre) consiste na fusão entre a terceira e primeira pessoa narrativa, ou seja, entre autor e personagem. O narrador (terceira) desenvolve seu trabalho, quando em meio a sua narrativa a personagem interfere como que complementando o que disse o narrador. É o caso de Vidas Secas, não sabemos exatamente quem fala – se é o narrador (terceira pessoa) ou a consciência de Fabiano (primeira pessoa)? Este tipo de discurso permite expor os pensamentos da personagem sem que o narrador perca sua função. Técnicas do discurso indireto e o indireto livre estão disponíveis em: http://www.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=405071
d) O Monólogo Interior é aquele que se passa no mundo psíquico da personagem. Um apanhado completo sobre essa complicada forma de diálogo, bem como do solilóquio está disponível em: http://www.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=405046 O conto tem preferência pelo diálogo direto porque põe o leitor, diante dos fatos, como participante direto e interessado. A comunicação entre o leitor e a narrativa é instantânea. O indireto aparece menos, e assim mesmo, só nos casos em que não vale a pena transcrevê-los diretamente.
6 - O Epílogo--------------------------------------
[•] O epílogo do conto corresponde, geralmente, ao clímax da história que, via de regra, deve ser enigmático, imprevisível e abruptamente revelado para surpreender o leitor. Diria você, então, que a grande dificuldade do contista está na construção do epílogo. Eu de mim diria que, no conto, tudo é difícil (ou fácil) depende dos recursos empregados pelo escritor. Contudo, segundo os estudiosos do assunto, o cuidado do contista está mais no iniciar a narrativa - das primeiras linhas depende o futuro do conto - do que em terminá-lo. Pois, se o leitor se deixa prender desde o começo irá, por certo, até o fim. Caso contrário, desistirá.
A outra questão é que, no conto, o começo está muito próximo do fim, pode-se até dizer que o epílogo quase se incrusta na introdução. Daí, o contista não pode perder tempo em delongas, desanimando o leitor interessado em logo chegar ao clímax da história. As primeiras linhas seduzem e atraem o leitor e o epílogo contém a chama que lhe dá o êxtase. Um bom exemplo da objetividade do conto, do epílogo incrustado na introdução, vem do escritor americano Willian Saroyan, apontado como um dos contistas revolucionários do século XX, pela autoria deste conto em apenas algumas palavras: “O padre voltou-se para o homem que o apunhalara nas costas, examinou-lhe cuidadosamente a cara e, morrendo disse: — Por que me matas? Nunca te fiz nenhum favor?”
O Conto Comteporâneo --------------------------------------------------------------[•] Willian Saroyan é o reflexo de uma nova narrativa que vem sendo construída nessas últimas décadas. O conto contemporâneo vem substituindo a estrutura clássica, rígida, pela construção de um texto mais curto ainda, com o objetivo de conduzir o leitor para além das linhas, para além do dito, para a descoberta de um sentido nas entrelinhas, o não-dito. A ação se torna ainda mais reduzida, surgem monólogos e a exploração de um tempo interior, psicológico. A construção tradicional de desenvolvimento, meio e fim, cede lugar a um texto que cobra a participação do leitor nos aspectos que constituem a narrativa.
Exige uma leitura que mostre não só o que é contado, mas, principalmente, a forma como é contado, a forma como o texto se realiza diante da leitura.® ______________________________________________________

1 – Massaud Moisés Ajudaram na elaboração deste texto: Alfredo Bosi - História Concisa da Literatura. Assis Brasil - O Romance, A Poesia, O Conto, A Crítica - A Nova Literatura. Massaud Moisés - A Criação Literária. Luzia de Maria Reis, O que é o conto. • Se você encontrar erros (inclusive de português), por favor, me informe. • Agradeço a leitura do texto e, antecipadamente, quaisquer comentários.
Ricardo Sérgio
Publicado no Recanto das Letras em 16/02/2007

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