sábado, 5 de maio de 2007

Pequena conversa sobre a mulher na poesia romântica.

Pequena conversa sobre a mulher na poesia romântica


1. Poesia romântica?!2. Primeira geração3. Segunda geração4. Terceira geração5. Um bom resumo1.Poesia romântica?!Eis aqui uma conversa informal sobre o papel da mulher na poesia romântica. E, pra começo de conversa, acho conveniente cutucar meu leitor com uma pergunta simples: o que é poesia romântica?Todos temos uma noção intuitiva disso. Esse assunto povoa nossa mente com elementos doces. Traz em si a idéia de flores, estrelas, amores, é novela, fofura, geralmente enternece mulheres e entedia homens. Entretanto, essa idéia que carregamos desde sempre transforma-se num grande erro quando se trata de literatura. “Romântico” no sentido literário é muito diferente de “romântico” no sentido figurado. O romantismo a que nos referimos a torto e a direito por aí não corresponde de jeito nenhum ao movimento artístico burguês do séc XIX, e, quando muito, é apenas uma face muito pequena e deformada dele.Embora o exagero sentimental seja marca registrada, esse período literário tem outros traços, bem particulares e até estranhos para quem não conhece o movimento. Por exemplo: dizer que um escritor é romântico pode significar que ele é satânico. Ou que gosta da noite e do sobrenatural, ou que é religioso, ou que é promíscuo, indianista, medieval, burguês, ou que gosta de mulheres mortas...Romantismo é um movimento amplo. Sua compreensão se torna mais fácil se percebermos que dentro dele cabem coisas sem relação alguma com o sentido tradicional da palavra, e, às vezes, sem aparente relação entre si.Na verdade, falando de poetas românticos, eles são tão diversos entre si, que temos o hábito de estudá-los em 3 grupos, ou 3 gerações. Essa divisão é bem imperfeita e não serve para a prosa, mas estudá-la é uma forma de entender como o poeta romântico se comporta em cada uma dessas 3 épocas.Interessante é observar que, a cada comportamento, existe uma forma de amar diferente e, portanto, um ideal de perfeição e beleza diferente, o que gera a necessidade de uma nova musa. Assim, da mesma forma que existem 3 gerações românticas, há 3 mulheres românticas. E convido o leitor a conversar sobre cada uma delas.2- Primeira geração.Na poesia da primeira geração, o amor é angelical, idealizado e –palavra-chave – cortês. Lembra bastante o trovadorismo medieval, no qual o homem é um cavaleiro e a mulher, verdadeira princesa, a mais bela dentre todas. Ela é jovem, adolescente e virgem, puríssima, imaculada. O homem dá-se por muito feliz se puder apenas cantar sua senhora, cobrir-lhe de glórias e andar seguindo seus pés, pensando nela, apenas. Mesmo no plano do pensamento, não observamos sensualidade, muito menos sexo. O amor é puro, o homem é protetor submisso, e nada de concreto se realiza entre os amantes, devido à enorme distância entre ambos. Há muita contemplação e pouca ação, como podemos perceber na estrofe de Gonçalves Dias:"Dizei vós, ó meus amigos,Se vos perguntam por mi*,Que eu vivo só da lembrançaDe uns olhos cor de esperançaDe uns olhos verdes que vi!Que ai de mi!Nem já sei qual fiquei sendoDepois que os vi"(...)• Mim3- Segunda geraçãoAqui, já temos um início de sensualidade, apesar de fortemente reprimida e muito conflituosa. Ineditamente, o poeta sugere que deseja carnalmente a amada, porém, em virtude da idealização feminina extrema, ele se sente inferior e indigno de tocá-la. Por isso, Casimiro de Abreu diz:“Vampiro infame, eu sorveria em beijosToda a inocência que teu lábio encerra” De modo geral, esses poetas são perturbados. Fruto de uma época caótica, em que a humanidade viu desmancharem-se as promessas de igualdade da Revolução Francesa, eles observam a permanência das injustiças no mundo com desespero.Preferem então fugir dessa realidade insuportável. Fazem isso de várias formas: ora lembram saudosos os momentos da infância, ora refugiam-se nos prazeres do álcool, do sexo (byronismo), ora afagam com carinho a idéia de morrer. Sim, com carinho. A Atração pela morte é uma constante na segunda geração romântica. Por isso, nem é de se admirar que seja forte, aqui, o gosto por mulheres magras, pálidas, e muitas vezes, mortas.A segunda geração é chamada ultra romântismo ou mal-do-século. Realmente, nesse período a sociedade literária passou por uma onda de desespero e depressão que abalou seriamente a vida dos autores, rendendo muitos casos de mortes prematuras. Era raro um poeta chegar aos 30 anos.Justamente por ser tão triste e conflituoso, o ultra romântico se reconhece um “precito”, ou seja, um maldito. E ele não quer macular sua amada virgem com isso. Assim, forte característica da geração é o medo de amar , em conflito com o forte desejo de consumar o amor. Casimiro resume bem:“Se te fujo é que adoro e muito,És bela- eu moço; tens amor, eu- medo!”A moça continua virgem, porém, freqüentemente é vista seminua, desejável e inatingível. O poeta mal do século deseja aquilo que não pode ter. Então, quer esquecer, divagar no passado, beber, morrer...4. Terceira geração.Já aqui, a realização é plena: deseja-se e faz-se. Impossível falar de poesia romântica de terceira geração sem falar no poeta baiano Castro Alves. Podemos até dizer que ele responsável por uma revolução da forma de conceber e tratar a mulher romântica. Foi quem primeiro retirou a moça de seu altar de virgindade e perfeição, para jogá-la, literalmente, na cama. Em C. Alves, acabaram-se as idealizações e veio, forte, a consumação erótica do amor. Castro Alves gosta de mulheres reais: elas têm cheiro, gosto, seios e corpo à mostra, fazem sexo, gritam, choram. Algumas são inclusive prostitutas. O apelo sensorial é muito forte. E o poeta dos escravos, como ficou conhecido por sua poesia social, soube transplantar para a lírica amorosa o gosto pelas imagens monumentais, tornando sua poesia ao mesmo tempo erótica e lírica, interessante, pois, até para os mais acanhados.De modo geral, o poeta posiciona-se claramente contra os desesperos e medos ultra-românticos. Castro Alves ama a vida e gosta mesmo é de fazer amor."Boa noite , Maria! Eu vou-me embora.A lua nas janelas bate em cheio.Boa noite, Maria! É tarde... é tarde...Não me apertes assim contra teu seio.Boa noite!... E tu dizes – Boa noite,Mas não mo digas assim por entre beijos...Mas não mo digas descobrindo o peito,- Mar de amor onde vagam meus desejos"(...)5- Um bom resumoO poema “Os três amores”, de Castro Alves, é um belo diálogo entre as 3 gerações românticas. Nele, cada estrofe corresponde a uma fase do movimento romântico: na primeira estrofe, vemos o amor cortês; na segunda, o ultra romantismo; na última, o amor sensual. Apesar de uma ou outra referência literária que o leitor pode desconhecer, o poema vale a pena ser lido. Além de belo,é um bom resumo de tudo que conversamos aqui.IMinh´alma é como a fronte sonhadoraDo louco bardo, que Ferrara chora...Sou Tasso!... a primavera de teus risosDe minha vida as solidões enflora...Longe de ti eu bebo os teus perfumes,Sigo na terra de teu passo os lumes,- Tu és Eleonora...IIMeu coração desmaia pensativo,Cismando em tua rosa predileta.Sou teu pálido amante vaporoso,Sou teu Romeu, teu lânguido poeta!...Sonho-te às vezes virgem... seminua...Roubo-te um casto beijo à luz da lua...- E tu és Julieta...IIINa volúpia das noites andaluzasO sangue ardente em minhas veias rola...Sou D. Juan!... Donzelas amorosas,Vós conheceis-me os trenos na viola!Sobre o leito do amor teu seio brilha...Eu morro, se desfaço-te a mantilha...Tu és - Júlia, a Espanhola!...
Jéssica Callou
Publicado no Recanto das Letras em 07/05/2006Código do texto: T151890

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