sábado, 5 de maio de 2007

conto

O CONTO
"Ninguém é escritor por haver decidido dizer certas coisas,
mas por haver decidido dizê-las de determinado modo."
(Jean-Paul Sartre)


Introdução-----------------------------

[•] Este texto objetiva iniciar o leigo e o escritor iniciante nas técnicas do conto. Leia, medite e julgue por conta própria e, por fim, assente ou alargue suas opiniões mediante outras leituras. O Conto é uma breve narrativa que tem sua origem na oralidade de todos os povos. Contém um só drama, um só conflito, uma só história, uma só ação (entenda-se por ação a seqüência de atos praticados pelos personagens, ou acontecimentos de que participam) , enfim, uma só unidade dramática (célula dramática). As palavras «drama, dramático», no âmbito da prosa, devem ser entendidas como «conflito, ação conflituosa». Visto que o drama nasce quando se dá o choque de duas ou mais personagens, ou de uma personagem com suas ambições e desejos contraditórios. Na prosa ficcional, se não há drama, não há conflito e, portanto, nem história. E mesmo que houvesse uma história sem drama, sem conflito, não despertaria interesse algum. “A literatura opera exatamente no plano em que o homem vive a vida como luta, tomada a consciência da morte e da precariedade do destino humano¹. O conflito é sempre resultado de uma situação de antagonismo entre duas ou mais personagens; seja por questões de caráter; sejam por questões sociais, políticas, familiares; seja por contato com o mundo sobrenatural; ou mesmo com o próprio mundo íntimo da personagem. Conflitos esses nomeados como filosóficos, morais, sociais, políticos, familiares, transcendentais, psicológicos, etc. Os primeiros dramas registrados na literatura estão em Ilíada e Odisséia — são confrontos entre o homem e a natureza, entre o homem e os deuses, entre o herói e seus inimigos militares - todos esses confrontos são explorados nos poemas épicos de Homero. A resolução do conflito depende das circunstâncias que o iniciaram. Na tragédia clássica, ele deveria ser resolvido dentro do próprio drama, segundo uma regra que assegurava ao espectador sair do espetáculo sem dúvidas sobre o destino e o caráter das personagens; na dramaturgia e na ficção pós-moderna, por exemplo, explora-se a situação sem saída, o eterno conflito, o mais das vezes, nunca resolvido, ou apenas subentendido ou sugerido. Compete, muitas vezes, ao espectador ou ao leitor tirar as conclusões necessárias à total compreensão da história narrada. O conto rejeita as divagações e as extrapolações: é objetivo, vai direto ao ponto sem se deter em pormenores. O passado e o futuro não lhe interessam porque são irrelevantes. E quando, porventura, se fizer necessário mencionar acontecimentos precedentes, o contista sintetiza-o em poucas linhas (síntese dramática). O conto visa, em toda a vida da personagem, apenas um momento, o mais importante, pouco interessa o que está antes ou depois desse momento, desse drama. Para ilustrar essas características, recorro a “Missa do Galo”, de Machado de Assis, constituído de um único episódio que tem como personagens o narrador (jovem de dezessete anos) e sua hospedeira, D. Conceição, casada e com trinta anos. Entre os dois o diálogo cheio de implicações sexuais gerando o único e mais importante conflito na trajetória do protagonista. E, fechado o parêntese em que se armou a narrativa, a vida dessas personagens regressa a obscuridade que abandonaram por um breve momento. Do ponto de vista histórico e da sua essência, o conto é a matriz da novela e do romance. Mas isso não quer dizer que possa neles se converter. O conto está subordinado a leis específicas que se desenvolveram e se cristalizaram no decorrer dos séculos. Apresenta estrutura própria, diferente das demais formas narrativas, principalmente da crônica e do apólogo. Se um conto é ampliado até as dimensões da novela ou do romance, é porque não se trata de um conto, mesmo que seu autor o considere, impropriamente, como tal; e sim um embrião de novela ou de romance. Da mesma maneira, uma narrativa rotulada de romance ou novela não pode ser convertida num conto. Se forem, é porque não se tratavam de um romance ou novela. Num caso e noutro, qualquer alteração modificaria radicalmente o caráter da obra. Registre-se que o romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos; O processo, de Kafka; alguns romances de Bernardo Guimarães e de Machado de Assis não são, verdadeiramente, romances e sim contos interligados e totalmente desmontáveis. Podemos, assim, chegar a seguinte conclusão: a estrutura do conto, embora admita numerosas variações, não deve ser confundida com nenhuma outra forma de narrativa.

Arquitetura Clássica do Conto Tradicional
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●» A arquitetura clássica do conto tradicional é construída obedecendo às leis da causalidade e temporalidade (isto é, um fato anterior causa o que vem depois), que determinam a seqüência: princípio, meio e fim, natural nos contos tradicionais, mas que pode ser alterados segundo as intenções do ficcionista. No conto tradicional encontramos a seguinte arquitetura:


Situação Inicial ou Exposição
Os contos começam habitualmente pela exposição de uma situação inicial.
Enumeram-se os personagens ou o futuro protagonista é apresentado simplesmente pela menção do seu nome ou pela descrição do seu estado.

Parte Preparatória ou Evolução
Nesta fase da narrativa, o conto vai apresentando os elementos necessários à sua evolução, anunciando as peripécias (fatos e ações) que só terão lugar na 3ª parte da narrativa.

Clímax ou Nó da Intriga
Esta é a parte mais movimentada de um conto. A partir das duas primeiras fases, a narrativa ganha dinamismo e evolui em cadeia, num avançar sucessivo de ações(peripécias), que vão culminar na parte final - o desenlace ou desfecho.

Desenlace ou Desfecho
Entende-se por desenlace um evento ou conjunto de eventos que, no termo de uma ação narrativa, resolve tensões acumuladas ao longo dessa ação e institui uma situação de relativa estabilidade que em princípio encerra a história; uma morte, um casamento, uma conquista ou um reencontro são alguns acontecimentos suscetíveis de constituírem desenlaces.

Síntese--------------------------------------------
●» Reduzindo as observações a uma síntese,
teríamos o seguinte:

1 – Unidade Dramática => uma só célula dramática (um só conflito).

2 – Unidade de Espaço =>
um só lugar.

3 – Número reduzido de personagens.

4 – Diálogo dominante.

5 – Descrição tende a anular-se.

6 – Narração concisa.

7 – Dissertação praticamente ausente.




●» Para melhor compreneder essas unidades do conto, acesse a parte II -
A Estrutura do Conto. ® ______________________________________________________
1 – Massaud Moisés Ajudaram na elaboração deste texto: Alfredo Bosi - História Concisa da Literatura. Assis Brasil - O Romance, A Poesia, O Conto, A Crítica - A Nova Literatura. Massaud Moisés - A Criação Literária. Luzia de Maria Reis, O que é o conto.• Se você encontrar erros (inclusive de português), por favor, me informe. • Agradeço a leitura do texto e, antecipadamente, quaisquer comentários.
Ricardo Sérgio
Publicado no Recanto das Letras em 15/02/2007

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