sábado, 5 de maio de 2007

Machado de assis - a filosofia da ponta do nariz...

Machado: A Filosofia da Ponta do Nariz, o Humanitismo e o Brasil
Durante o século XIX, a Europa sofreu grandes mudançassócio - políticas. Os ideais de liberdade difundidos pelaRevolução Francesa de 1789, os quais foram “abafados”pelas nações européias até as proximidades de 1850,apareceram com grande força a partir de então,manifestando-se através de lutas e da fermentação deidéias políticas.Quanto ao Brasil, a sociedade era formada de uma pequenaelite constituída por grandes fazendeiros e grandesempresários, num segundo nível, um pouco abaixo doprimeiro. Havia ainda uma classe mais pobre, na qual seenquadravam os trabalhadores das fazendas, os operários –vários deles imigrantes- e uma nova classe, tanto ou maismiserável, formada pelos escravos, que, ao ganhar aliberdade, acabavam recendendo também o abandono.Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, grande obra de Machadode Assis, é uma leitura dessas “idéias novas”- os váriosismos- Positivismo, Liberalismo, Evolucionismo... etc, atéentão surgidos, dentro do contexto brasileiro, mostrando,por meio cômico e crítico, a estranha combinação quemoldava a sociedade brasileira. Como ser atrasado emoderno ao mesmo tempo? Como despropositadamente misturarliberalismo e escravismo? É a partir dessas perguntas, queMachado, por meio dos atos e pensamentos de sua personagemBrás Cubas, denuncia o ridículo, as inadequações e asparcas condições do Brasil de aderir aos novos princípiospolíticos, “não há por ora no nosso ambiente a forçanecessária à invenção de doutrinas novas”.O prazer do cavaleiro ilustrado Brás cubas é rebaixar tudoe todos para que ele se torne o maior. Tal personagem,volúvel e caprichosa, se mostra moderna, renovada deidéias, no entanto, é apenas ornato, nada é feito ouassimilado de forma oportuna ao contexto brasileiro paraque algo realmente novo venha e aconteça. Como Nietzchebem argumentaria: “Um político (uma elite escravista)divide os seres humanos em duas classes: instrumentos einimigos”. Se em qualquer lugar que se encontre uma criatura viva,se encontra desejo de poder, torna-se possível acompreensão da filosofia dita Ponta do Nariz expressa nocapítulo XLIX. “Cada homem tem necessidade e poder decontemplar o seu próprio nariz (...) tal contemplação,cujo efeito é a subordinação do universo a um narizsomente, constitui o equilíbrio das sociedades”. Ao olharpara a ponta do nariz, tal recolhimento que o sujeito fazao seu íntimo, lhe permite fazer escolhas e ir ao encontrodas circunstâncias que forem mais adequadas aos seusinteresses pessoais, ainda que injustamente. Devido a suacaracterística (física) e social desvantajosa, a ausênciade ponta no nariz em um indivíduo é como se revelasse umaimpossibilidade de independência crítica diante daopressão e dos interesses burgueses.O que sempre estará em jogo é o papel da burguesia, seuespírito de competição, seu egocentrismo e manipulação,aquela que subestima tudo que considera inferior e resumeo mundo a sua própria existência. Igualdade sim, mas nocomércio, isto é, no ato de compra e venda, todas aseventuais desigualdades sociais entre compradores evendedores (caso do Brasil) não tinham importância. Tratando-se agora da filosofia do Humanitismo, criada poroutra personagem machadiana, Quincas Borba é uma sátiradevido ao surgimento de tantos “ismos”, destinada aarruinar todos os demais sistemas. O Humanitismo concebiaas guerras, rebeliões, a inveja, toda e qualquer forma decompetição e luta, para que a vida não se tornasse umamonótona rotina universal, onde, usando a terminologia deDarwin, sobrevivem os mais aptos. Ora, em uma sociedadecomo a do Brasil, com plena desigualdade (grandesfazendeiros e empresários), e na base do triângulo, umamaioria miserável (imigrantes, escravos e operários), umacompetição entre tais classes, a minoria, mesmo sendominoria, ganharia.Enfim, os mecanismos que movimentam o sistema Humanistasão acelerados quando há maior amor a si próprio, o homemnão só está no centro do universo, como tambémpropriamente se considera um universo dentro de outro.Assim, a crítica, entre outros fatores, está nacontradição de dizer que competir, lutar... Princípios quenos remetem a pensar em algo dinâmico, não aconteciam demaneira ativa em sociedades como a brasileira, onde aburguesia liberal, com sua economia de mercado, seassentava estaticamente sobre a escravidão. Machado, aocolocar as variadas formas do pensamento moderno sujeitasao acaso das vontades de Brás Cubas, explorou e criticoude modo cômico estas inusitadas inadequações brasileiras,trazendo à tona as ironias, mostrando que as soluçõestrazidas por tantas teorias científicas seriam no mínimoilusórias, na verdade, uma grande piada em solobrasileiro.
Notte Fonda
Publicado no Recanto das Letras em 24/03/2007

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